O mercado de Recursos Humanos, os jovens desta reportagem seriam classificados como a chamada "geração Y" - os nascidos na década de 80 até meados dos anos 90. Essa é a primeira geração que não precisou aprender como lidar com equipamentos eletrônicos e em pouco tempo de vida presenciou os maiores avanços na tecnologia. Ao chegar ao mercado de trabalho, esses profissionais foram considerados inovadores e empreendedores. Mas, o que acontece quando eles escolhem ser professores? Se engana quem pensa que, por terem tanta familiaridade com o uso de recursos tecnológicos, eles sejam seus entusiastas. Muito pelo contrário: consideram a tecnologia algo natural, mas não veem sentido em usá-la em sala de aula sem um claro propósito. Na forma de perceber o processo educacional, entretanto, eles promovem uma revolução silenciosa: são abertos ao diálogo, buscam soluções criativas, gostam de realizar pesquisas e inventam jogos e até novas disciplinas em busca de algo muito simples: o prazer de ensinar e a paixão pelo conhecimento.
"A escola tem mudado. Claro que as instituições têm certa permanência - não só a escola, mas a Justiça, a Igreja, etc. Mas esse discurso muito em voga de que a escola não evolui vem desde a década de 20 do século passado e é falso", afirma Paulo Gileno Cysneiros, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que nas últimas três décadas tem se dedicado ao ensino e pesquisa em tecnologias da informação e comunicação na educação.
Para Paulo, o uso das tecnologias tem o potencial de modificar os modos de pensar, de ensinar e de aprender, e até mesmo de ver o mundo. Mas a verdadeira mudança que vem ocorrendo deve-se sobretudo à capacidade criativa do professor. Ou seja, não é a tecnologia em si que está trazendo as inovações para a sala de aula, mas os jovens professores que entendem como natural o fato de que o conhecimento está disperso, pulverizado no mundo, nas redes sociais, na internet. E assumem sem problemas o papel de guiar e estimular os alunos a encontrarem por eles mesmos o que desejam.
Antropologia urbanaLuís Fernando Massagardi, 31, é de um desses professores que ajudam os alunos a navegar pelo mundo. Mas no caso dele, é pelo mundo real mesmo: ele orienta estudantes do ensino médio a fazerem pesquisas de campo.
Há cinco anos atuando como professor, ele criou uma nova disciplina, que ministra para os alunos do 2º ano do ensino fundamental no colégio particular Ofélia Fonseca, em São Paulo (SP). Chama-se antropologia urbana. "A proposta é fazer uma discussão sobre os grupos sociais da cidade e como eles atuam no espaço urbano", explica. Para "estudar", os alunos precisam deixar os muros da escola e explorar espaços da cidade que pouco conhecem.
Luís Fernando, que é formado em história, diz que a ideia de montar a disciplina tem forte relação com sua experiência pessoal. "Comecei trabalhando em museus e com viagens para estudos de meio. Por isso acredito em práticas educativas que extrapolem a escola como um ambiente fechado, não só no plano de discutir o mundo mas também de estar fisicamente fora", afirma.
O professor conta que se sente muito próximo de seus alunos, mas acredita que não seja pela idade, e sim pela sua metodologia. "O diálogo é um ponto fundamental na minha prática. Então, estou sempre aberto para as trocas", diz. Por causa dessas "trocas" que promove com seus estudantes, Luís Fernando se tornou um dos idealizadores do Festival de Artes do colégio, aberto para a comunidade e divulgado pelas redes sociais da internet pelos próprios alunos.
Brincar de ensinarUma mudança de comportamento entre os jovens que iniciaram suas carreiras profissionais nos últimos anos é a busca de satisfação pessoal no trabalho. Para eles, dever e prazer devem estar associados. Com os professores, a atitude não é diferente. Em uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP) realizada há três anos com 200 jovens de São Paulo nascidos entre 1980 e 1993, 99% dos entrevistados disseram que só se mantêm envolvidos em atividades de que gostam. Além disso, no levantamento feito por Ana Costa, Miriam Korn e Carlos Honorato, 96% afirmaram que consideram que o objetivo do trabalho é a realização pessoal. Para a pergunta "qual pessoa gostariam de ser?", a resposta "equilibrado entre vida profissional e pessoal" alcançou o primeiro lugar, seguida bem de perto por "fazer o que gosta e dá prazer".
O magistério sempre foi uma opção que envolve boas doses de idealismo e paixão, mas cresce a tendência entre os jovens de incluir no "gostar de ensinar" a ideia de diversão propriamente dita. Brincadeiras, jogos, campeonatos cada vez mais entram no rol de atividades propostas mesmo aos alunos do Fundamental 2 e ensino médio.
Luana Gabriela Marques, 31, inventa de tudo um pouco em suas aulas de português para turmas do 6º ano ao 3º do ensino médio no Colégio Brasil Canadá, em São Paulo (SP). "Faço desafios, campeonatos individuais, entre grupos, jogos de tabuleiro, jogos em que eles formulam as perguntas uns para os outros. Gosto de trabalhar com a criatividade do aluno. No fim do bimestre, dou uns pontinhos a mais na média pelo desempenho nas brincadeiras. Também premio com bombons ou livros", conta a professora.
Mas tanta "recreação" no meio das aulas não significa que os alunos não levem os estudos a sério. "Uso esses recursos em nome do aprendizado. Sou uma professora exigente. E mesmo com esse perfil de brincar, fazer jogos, não tenho problemas em conseguir silêncio, nem com falta de lição de casa", conta Luana.
Montar aulas sempre pensando na diversão dos alunos tem como "efeito colateral" fazer a professora também se divertir - e muito. "Estou sempre criando exercícios novos. Não consigo fazer uma aula que não tenha a ver comigo, que fique chata", conta. Esse comportamento faz com que Luana se aproxime dos alunos e também aprenda com eles - até sobre como se divertir. "Ouço algumas músicas, acompanho certas séries de TV que eles me recomendaram", conta.
Alunos protagonistasCarolina Silveira Leite, 27, leciona para alunos de 4º ano na rede municipal de São Paulo e faz questão de que eles tenham participação ativa nas aulas. Muito de sua prática pedagógica vem como resultado de sua experiência como aluna. Carolina é formada em letras e acaba de concluir sua segunda graduação, em pedagogia, pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Ao estudar por EaD, ela diz ter aprendido também a importância de o aluno estar motivado e ter um papel ativo na construção do conhecimento. "Não adianta substituir a lousa por um computador. O aluno precisa estar produzindo para se interessar", afirma.
Atualmente, os alunos de sua turma estão montando um blog para publicar as descobertas que fizeram em um projeto sobre insetos.
Foram os alunos que propuseram questões, pesquisaram na biblioteca e na internet, e agora estão escrevendo textos e indicando links para compartilhar o que aprenderam. "Ainda não conseguimos respostas para algumas das dúvidas. Estamos estudando novas estratégias, como enviar perguntas a revistas especializadas", diz Carolina.
Claro que a capacidade de inovar ao trazer o aluno para participar da produção do conhecimento não é uma questão meramente de faixa etária. Mas para um professor com certo passado "tecnológico educacional" é mais fácil entender que na sociedade atual a educação não se limita a escutar aulas expositivas, ler textos escolares e realizar provas. "As tecnologias da internet permitem que o aluno tenha outras opções, como, por exemplo, aprender o que queira, quando queira, no lugar que queira, de uma maneira colaborativa", afirma Lucio França Teles, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).
Como consequência, diz Lucio, a curiosidade dos alunos acaba aumentando o escopo do currículo, assim como aconteceu com a turma da professora Carolina, pois eles não ficam circunscritos ao que "deve" ser aprendido para serem aprovados. "O acesso a colegas e a informações de várias fontes torna o processo de aprendizagem mais dinâmico e motivante", acredita.
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